quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Por um mundo melhor

No meio de tanta coisa ruim, a vida continuará sendo o motivo maior de celebração, como o caso da pequena Luiza Victória

Uma história comoveu muita gente que assistiu televisão na véspera de Natal. A recém-nascida Luiza Victória, nascida há quatro meses com 430 g e 26 cm, recebeu alta da Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital do Rio de Janeiro e voltou para os braços da mãe. Uma roupa vermelha e um gorrinho de Papai Noel, a menina, com pouco mais de dois quilos e com 46 cm é o que se pode chamar de milagre da vida. Essa época nos revela histórias assim que se juntam a outras crônicas natalinas, como a própria história do nascimento de Jesus.
O dom da vida deve ser celebrado todos os dias. O valor da vida deve ser reconhecido em cada amanhecer e em cada anoitecer. É a grande lição que devemos guardar de cada dezembro, feito de festas e alegrias que deveria ser a mesma para todas as pessoas. Na festa da mesa mais rica ou na mesa menos farta. Foi um ano difícil para muitos? Vamos começar nova jornada logo ali, em janeiro. A vida continua. E representa também o milagre que constitui a própria vida.
Mas o Natal não foi apenas festa.
No Médio Oriente, o Natal fica marcado pelo recrudescimento da violência israelense-palestina. O noticiário das útimas vinte e quatro horas mostra o conflito armado nessa região. O secretário-geral da ONU apelou à calma na Faixa de Gaza. Ban Ki-Moon pediu a Tel Aviv que abra as passagens fronteiriças para permitir a entrada de ajuda humanitária no território palestiniano e apelou ao movimento islâmico para acabar com os ataques de “rockets” sobre Israel.
Durante uma celebração do Hanukkah judaico, o presidente israelita Shimon Peres dizia que “se a população de Gaza quer viver em paz e quer ter passagens livres, só há uma coisa simples a fazer: por fim aos disparos”. O bombardeio aéreo israelita aconteceu no fim de um dia particularmente violento na fronteira israelense-palestina. Mas, nas últimas vinte e quatro horas caíram cerca de cem “rockets” palestinianos em localidades israelitas próximas da fronteira com Gaza.
A guerra não respeita celebrações à vida. Todos os anos repete-se a violência na faixa de Gaza como a coisa mais normal do mundo. Todos os anos, a violência nessa região é parte dos apelos pela paz feitos pela Igreja Católica. O Papa Bento XVI pediu em sua tradicional benção urbi et orbi à paz no Médio Oriente, no balcão da Basilica da Praça de S. Pedro, no Vaticano. Perante milhares de fiéis, o chefe da igreja católica desejou um apaziguamento nas relações entre israelitas e palestinianos e apelou à paz no Iraque e no Líbano. O Papa dirigiu mensagens de paz, também, à África e pediu a estabilidade para o Congo, a Somália, o Darfur e o Sudão. Antes de proferir a benção em 64 línguas, mais uma que o ano passado, o Papa lançou um apelo à solidariedade frente a um “futuro cada vez mais incerto”, num Natal que fica marcado pela crise financeira e econômica mundial. E pelo recrudecimento da violência no mundo.
A banalização da violência em grande escala nos territórios conflagrados mantém o mesmo ímpeto em territórios onde não há guerra. Nos centros urbanos a vida é tratada da mesma forma, seja no Brasil ou outro país qualquer. E as motivações são várias.
Em Moscou, a polícia russa investiga dois ataques violentos contra violinistas da orquestra Virtuosi de Moscovo. Um deles foi hospitalizado com uma fratura no crânio, depois de ser atacado por um grupo de desconhecidos que lhe roubaram um violino. O outro, de origem coreana, foi esfaqueado e sofreu vários cortes nas mãos. O diretor da orquestra disse que esse ataque teve certamente “motivações raciais”. Nos últimos anos, têm aumentado os episódios de violência contra pessoas de origem asiática ou africana em Moscou. Mas a polícia não descarta nem uma rivalidade entre grupos musicais da cidade.
Num subúrbio de Los Angeles, nos Estados Unidos, um homem vestido de Papai Noel abriu fogo em uma festa, na véspera da noite de Natal. Pelo menos três pessoas morreram.
Em Jandira, na Grande São Paulo, um casal foi preso, na quarta-feira, por suspeita de assassinar a facadas uma menina de 8 anos. De acordo com a Polícia Civil, o padrasto, de 25 anos, e a mãe da vítima, de 28, mataram a criança porque ela estaria atrapalhando o relacionamento dos dois.
Em Belém do Pará, a violência se multiplicou na onda de assaltos, com cenas de tiroteio e linchamento. Ocorrências que nem precisam de detalhes, tanto se repetem na cidade que acabam engrossando a pilha de boletins policiais.
Esse é o nosso mundo. Mas não por isso, não por toda desordem e desproteção podemos desistir dele.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Muitos planos e pouca saúde

“Feiras no Largo”, em Évora (Portugal). Brechó da praça

O tempo não pára e é igual para todos na sua inevitabilidade. Mas para a maioria, sem rimas poéticas, é de uma crueldade que se traduz em números, valores e qualidadade de vida

Envelhecer no Brasil não é para qualquer um. Ou a pessoa nasceu em berço esplêndido ou foi favorecido pela sorte e articulações aqui e acolá para superar a pobreza como alguns jogadores de futebol, artistas nem sempre talentosos, mas que com um bom marketing conquistam o mercado – na verdade são mais empreendedores do que artistas – e, como nos mostra a história do País, investir na carreira política, que hoje não é mais apenas uma questão de vocação, mas uma saída para dias melhores que virão.
Envelhecer com dignidade no Brasil é comer o pão que o diabo amassou, perder a qualidade de vida que se foi junto com a tranqüilidade de uma aposentadoria decente, de saúde garantida, casa, comida e paz de espírito.
Mas paga-se um preço muito alto para envelhecer no Brasil, como é o caso dos planos de saúde. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) analisou planos de referência das 16 principais operadoras de planos de saúde do País e constatou uma série de irregularidades e de práticas discriminatórias que, segundo a entidade, tornam inviável o acesso e a permanência de idosos nos serviços de saúde suplementar. O reajuste por faixa etária pode chegar a 104% quando o consumidor atinge os 59 anos, índice muito superior ao verificado nas demais faixas etárias.
A advogada do Idec, entrevistadas pela televisão e jornais resume essa ópera com uma declaração contundente e dolorosa: “As regras existentes hoje não são suficientes para impedir que o idoso seja expulso do plano de saúde após contribuir por muitos anos, pois fica muito caro manter o plano”.
Quem se recorda dessa frase bordada pelo otimismo presidencial?
“Eu acho que não está longe da gente a atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país”.
A declaração foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 19 de Abril do ano passado, em Porto Alegre, ao inaugurar as novas instalações da emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Mais de um ano atrás.
Se a saúde pública chegou ao nível do atendimento público de países de primeiro mundo, é coisa a conferir. Mas num País como nosso, onde o plano de saúde cria a ilusão de que estamos bem mais seguros, diante da pesquisa divulgada pelo Idec, resta-nos a frustração e a tristeza que, convenhamos, nem o mais alto índice de aprovação presidencial, já alardeado como recorde histórico, consegue desfazer. Que o governo chegue às nuvens e que nosso presidente vocifere contra os pessimistas pelo direito à liberdade de expressão que lhe cabe, mas que saiba que envelhecer neste país é um desafio superado por poucos.
Segundo a pesquisa, um idoso cuja renda fosse de um salário mínimo gastaria 80% desse valor, em média, apenas para manter o benefício. Além do “agressivo preço cobrado”, a entidade aponta problemas como carências excessivas, planos que de forma ilegal não abrangem assistência ao idoso e até mesmo desestímulo a que os corretores vendam planos a maiores de 59 anos. E pensar que a população está envelhecendo previsivelmente no País é projetar o drama a ser enfrentado por quem está à beira dos 60 e sem uma aposentadoria digna. Na verdade, uma aposentadoria que nunca será bem vinda para a maioria dos brasileiros, pois significa jogar mais um no bolsão da pobreza. Isso não é pessimismo. Ao contrário, é de um realismo ponteagudo, desses que não conseguem a disfarçar a dor de quem é cutucado por uma adaga.
Ontem, a declaração de uma senhora aposentada num telejornal traduz exatamente drama que é envelhecer no Brasil. Com o pagamento do plano de saúde dessa aposentada de salário mínimo, o que lhe sobra na hora de sacar o benefício (podemos considerar a aposentadoria um benefício?) são mais ou menos R$ 190,00 reais. E ela perguntava: “Dá pra viver com R$ 190,00?”. Não fossem a ajuda dos filhos e de pessoas caridosas que lhes conhecem as dificuldades de aposentada, a vida dessa senhora seria mais uma entre milhões de miseráveis vidas que nem conseguem ter acesso a um plano de saúde privado.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) permita reajustes por mudança de idade do segurado, esse índice não pode ser superior a 500% entre a 1ª faixa etária (0 a 18 anos) e a 10ª e última faixa (59 anos ou mais). A ANS determina ainda que a variação acumulada entre a 7ª (44 a 48 anos) e a 10ª faixas não seja superior à aplicada entre a 1ª e a 7ª. Mas a pesquisa verificou que algumas empresas desrespeitam essas regras da ANS, aplicando reajustes superiores a 500% e concentrando os maiores índices nas faixas etárias mais avançadas.
Nunca na história deste Pais, envelhecer foi tão difícil quanto é hoje. Para todos nós, o caminho é irreversível. Para muitos poucos, a irreversibilidade do tempo pode ser amenizada por suporte material e financeiro. Mas envelhecer é negócio para muito, os que levam vantagem por cada ruga que pode ser transformada em cifrão. E nessa hora, sifu o cidadão.

PS. Ah, senhor Presidente da República, que pavor eu sinto quando penso que um dia vou chegar aos 59 anos! Ah, senhor presidente, com certeza eu e outros milhões de brasileiros morremos de inveja da sua trajetória! Quem diz que não tem inveja é um grandissíssimo mentiroso. Porra, estudei, ralei e ralei, apostei no futuro achando que estava no caminho certo, esquentei banco de universidade e de que me adiantou ter ralado? Como é cruel ralar assim! Daria para compor um bolero.

E o que o senhor tem a ver com isso? Sifu ou mifu?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Corruptos devem cair

Quem foi eleito para cuidar do País, dos estados e dos municípios deve ter em mente, sempre, o compromisso que assumiu com a honestidade e com a transparência
Num País tão grande como o Brasil, muitas coisas se realizam com a mesma grandiosidade, seja gravitando ao redor do poder constituído ou de outros segmentos de reconhecida importância econômica e financeira, aqui citado apenas a título de ilustração. Comparativamente, essa grandiosidade territorial abriga outras que, como prática, são condenáveis a olho nu, independente de decisões judiciais.
Tão grande quanto o País são a corrupção e a impunidade que passeiam de mãos dadas com a conivência de uma fileira de interessados em que essa dobradinha continue enchendo cofres e alimentando o poder.
O Brasileiro gosta desse estado de coisa? Fechamos os olhos por indiferença ou conveniência? Para quem acredita em pesquisas, a que foi feita pelo Ibope no primeiro semestre deste ano afirma que a maioria dos brasileiros condena a corrupção, mas, se tivesse uma oportunidade, seria capaz de roubar dinheiro público. Essa intrincada relação entre poder e dinheiro move montanhas muito mais que possa sonhar nossa vã fé, já que não cabe nesse contexto os mistérios que nenhuma vã filosofia possa imaginar.
A sentença produzida pela pesquisa é polêmica e não pode ser considerada verdade absoluta. Se assim fosse, não haveria sentido termos justiça e cidadãos indignados que vêm engrossando movimentos contra a desordem instalada e incentivada por quem de direito. É o caso, por exemplo, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que já emplacou mais de meio milhão de assinaturas favoráveis à causa.
Diante de iniciativas como essa, há como estimular um real sentimento de honestidade nos cidadãos? Há como acreditar na Justiça como resposta aos clamores de quem está cansado de ver desordem e falso progresso?
É um descalabro a fraude ao fisco que vinha sendo investigada pela “Operação Paço de Cristal”, desencadeada pela Receita Federal do Brasil e que detectou o desvio de mais de R$ 200 milhões praticado por 67 prefeituras do Pará, uma montanha de dinheiro que pode ser bem maior. E as irregularidades constatadas somam ainda o descumprimento de obrigação acessória, ou seja, a não-entrega da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP). Essa prática também configura crime tributário, tendo como uma de suas conseqüências aplicação de multa ao infrator, no caso, geralmente o gestor municipal. Uma multa de R$ 1,7 milhão já foi aplicada a um único prefeito, nessa operação, além de denúncia ao Ministério Público Federal por crime contra a ordem tributária.
Que governos foram esses que escolhemos no voto? Que gestores são esses em que depositamos confiança? Não há passe de mágica na transformação dos eleitos no trajeto entre palanque e o palácio, pois o projeto pessoal já estava definido, bem antes das promessas nos comícios em praça aberta ou nos programas de televisão.
O brasileiro - e muito menos o paraense - não pode ser confundido por conta do desmando, da desonestidade e da incúria de poucos. Como os que assumiram a responsabilidade de governar seus territórios, os mesmos que com suas gestões desastrosas, por exemplo, levam os holofotes para um estado como o Pará, que, lá fora, coleciona títulos encardidos, fichas sujas, corrupção galopante, assento especial no mapa nacional da pobreza divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, fonte oficial de uma história triste da qual todos nós somos personagens – uns na miséria e outros se locupletando.
Como podemos nos proteger dessa bandidagem do colarinho branco? Como as lagostas, que precisam de um período de defeso? Não podemos nos aquietar nem nos conformar com a falsa premissa do “justiça seja feita” por tempo indeterminado.
O próximo dia 9 de dezembro, Dia Mundial de Combate à Corrupção, é um bom momento para manifestações contra esse estado de coisas. Em Belém, o tema será debatido em seminário organizado pela Controladoria Geral da União. Dias para reflexão e para soltar a voz. Assim podemos encontrar o caminho da Justiça e da punição para quem merecer ser punido.
Por falar em Justiça, mesmo quando ela se faz em pequenas causas, deixa florescer a crença de que o cidadão tem direitos inalienáveis. E por isso, vale a pena contar o caso de um empregado da empresa paranaense de transportes coletivos demitido por justa causa sob a acusação de ter violado norma interna ao comprar de um passageiro onze vales-transporte para uso pessoal. Ele conseguiu converter na Justiça Trabalhista a justa causa em dispensa imotivada. E a defesa precisa do ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu o equilíbrio dos pratos da balança ao sentenciar: “Deve haver proporcionalidade entre a conduta do empregado e a penalidade aplicada pelo patrão”. O ministro apresentou outros argumentos para a defesa do trabalhador, que tinha uma ficha exemplar.
Essa proporcionalidade entre a conduta dos gestores e a confiança neles depositada pelos eleitores pode muito bem ser aplicada nesse caso. Governos corruptos devem ser cassados por traírem a confiança do cidadão simbolizada pelo voto.