sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A flôr de Zíaco da língua portuguesa falada no Brasil, daqui às barrancas do Chuí, está no nosso cardápio serve-serve-se de cada dia, onde jamais faltará um churrasquinho de gato Sianês.

O Brasil não conhece o Brasil / Dê um clique na foto.

O Brasil das placas. O humor da língua. Essas pérolas vieram através do e-mail e eu as recolhi no mural que aqui exponho. Abaixo o erro. Viva a criatividade. A briga é entre a Flor de Zíaco e a Última Flor do Lácio, inculta e bela. Ó Olavo Bilac, ou o que resta de vós, ria em seu túmulo, pois a última filha do Latim me deixa morrendo de rir.


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Aproveito a viagem e sopro um pouco de Bernardo Soares, o outro Fernando Pessoa, poeta que amo tanto, para declarar também meu amor à palavra.
 
Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.
 
Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa . Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

["Livro do Desassossego", por Bernardo Soares. Vol. I, Fernando Pessoa.]

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Estradas da última fronteira é uma exposição que abre novas frentes para vermos a Amazônia numa viagem de quase trinta anos sob a lente de um fotógrafo que foi até onde muitos não foram

Os índios, povos da mata de um admirável mundo novo? Paulo Santos
Água e verde mata, botos reais que inspiram as lendas ouvidas de nossos antepassados e reproduzidas por todas as gerações, o homem da beira do rio, o índio e sua luta pelas reservas ou pelo que lhe foi reservado na floresta, os conflitos, a violência costurando a ocupação, o homem buscando o ouro num garimpo cheio de sonhos e pesadelos, a exuberância cantada em verso e prosa, o encantamento, as grandes indústrias rasgando as veias das riquezas minerais. A devastação. Isso é apenas o resumo de um quadro de extremas contradições na região amazônica, fotografada por Paulo Santos, o roteiro da exposição que abre nesta quinta-feira, 5 de agosto, no Museu Histórico do Estado do Pará.

Paulo Santos, repórter fotográfico dos mais experientes,  reuniu 140 fotografias, que representam a ideia de mostrar a Amazônia em três momentos, que brevemente serão transformados numa coleção de três livros:

“Povos da mata”, no qual busca retratar as áreas remotas da Amazônia, com sua natureza densa, rica, seus acidentes geográficos e seus tipos humanos.

“Estradas da última fronteira”, mostrando o conflituoso processo ainda em curso de ocupação da Amazônia.

“O grande projeto”, um recorte do modelo de desenvolvimento planejado para a Amazônia pelo regime militar a partir da década de 1970, no qual Paulo Santos documenta as grandes obras de infraestrutura, os programas de ocupação humana e os megraprojetos de indução do desenvolvimento, como a abertura da Transamazônica, os planos de colonização.

Paulo Santos lança um olhar nativo no que há de belo e no que há de violento, sem o ranço dos olhares exóticos ou estrangeiros.

Serviço:


Local: Palácio Lauro Sodré – Museu Histórico do Estado do Pará-MHEP – Galeria Antônio Parreiras
Quando: Abertura – 5 /08 /2010 – 19 h.
Visitação Pública: De 06/08/2010 até 24.09/
Endereço: Praça Dom Pedro II s/n – Cidade Velha – Pará-Brasil.