sábado, 28 de junho de 2008

Pessoa à luz da tarde

Na cama com Bernardo, Fernando e Vicente. Três Pessoas. Ronald Junqueiro

Onde há uma brecha, há um caminho para a luz. Olho o fim da tarde e a tarde deixa pistas sobre a cama, acaricia os livros do poeta e me dá uma lição de vida, mais uma. Que venham a noite e outro dia. Deixei o hoje, o instante revelado. Um átimo, milésimos de segundo que podem durar o tempo para mais adiante de mim. Nessa viagem, pinço um trecho de Fernando Pessoa, uma brecha para a luz. Uma colagem poética.

"Todos aqueles acasos infelizes da nossa vida, em que fomos, ou ridículos, ou reles, ou atrasados, consideremo-los, à luz da nossa serenidade íntima, como incômodos de viagem. Neste mundo, viajantes, volentes ou involentes entre nada e nada ou entre tudo e tudo, somos somente passageiros, que não devem dar demasiado vulto aos percalços do percurso, às contundências da trajetória. Consolo-me com isto, não sei se porque me consolo se porque há nisto que me console. Mas a consolação fictícia torna-se-me verdade se não penso nela". (...)
(Livro do Desassossego – vol. II, Fernando Pessoa/Bernardo Soares)

domingo, 22 de junho de 2008

Aquarela junina

A cor se destaca no breu dos quintais. Ronald Junqueiro
Volto aos quintais, um salão de festa das noites de São João. Som na caixa, forró para todos. Não teria o mesmo clima num playground.

domingo, 15 de junho de 2008

O santo sem altar

A estante virou oratório das minhas crenças. Ronald Junqueiro

O Francisco veio para o apartamento há uns dez anos. A imagem nem não tem valor no mercado das artes, não é peça cobiçada por antiquários ou colecionadores de raridades. Estava numa lojinha de artigos religiosos misturada a imagens de budas, anjinhos, mandalas e até baralho cigano. Venda de miudezas religiosas e místicas, na verdade. A intenção era embrulhar o santo para presentear a uma pessoa que ouvira dizer que todo mundo deveria ter um santo em casa. Um santo da devoção. Se não fosse este o caso, que ela escolhesse o que lhe fosse mais simpático.

Quem tem seus santos de devoção sabe o que significa pedir e orar para eles. E as imagens ganham seus cantinhos especiais, com direito a velas sete dias e sete noites e outras variações. Há quem siga à risca “tratar o santo à vela de libra” como diziam os mais velhos.

O Francisco foi ficando em casa, passou Natal e Ano Novo. A embalagem de presente dentro do armário e ele sem destino. A pessoa a quem ele se destinava havia adotado uma santa Rita, a dos impossíveis, capaz de revolucionar vidas e operar milagres de quem deles duvidasse. Eleger o santo de devoção não é tarefa fácil, por isso muita gente segue a tradição familiar. A fé no santo, com todo respeito, se parece como amor ao time de futebol, a torcida passa de pai para filhos e filhas. Ou de mãe, que também tem suas preferências, não necessariamente a seleção brasileira.

Desfiz a embalagem. E agora José? O que é isso!!! O santo tem nome. E agora Francisco? Não havia uma cantoneira para acomodá-lo. Oratório que se preze é artigo de luxo em tempos de especulação imobiliária e de déficit habitacional. Mas o Francisco ficou na dele, não estava aí para perturbar quem poderia tê-lo no coração, único território onde sempre cabe mais um.

Creio que ficou feliz quando o deixei na estante, ao lado de Franz Kafka, Gore Vidal, Fernando Pessoa, Thomas Mann, Machado de Assis, romances policiais e até alguns livros classificados como literatura erótica. Não era intenção misturar alhos com bugalhos. Mas por outro lado, era uma medida preventiva, uma vez que não haveria a obrigação de acender velas e correr o risco de provocar um grande incêndio num prédio de 14 andares, com três apartamentos por andar e um monte de morador inadimplente. O Francisco sabe com é passar por altos e baixos, até mesmo por ter renunciado à riqueza.

O compromisso assumido, a partir daquele momento, era tirar sempre a poeira da estante, fazer um revezamento de escritores e dos livros da vez. O Francisco ficou lá. E foi ficando. E passaram-se os anos. Hoje dá para bater um papinho com ele sem culpa e sem precisar de analista. Reclamar de alguns transtornos sem fazer promessas mirabolantes.

Francisco é um santo! Não lhe sou devoto, desses de segui-lo em romaria, mas não há dúvidas de que São Francisco é um grande parceiro.

(Mês de Antônio, João, Pedro e Marçal. Santos das fogueiras juninas. Maior fogueira que a Amazônia? Impossível!!! Nem é preciso anunciar os números da destruição dados por institutos oficiais e organizações não governamentais, que faiscam nas manchetes com as estatísticas de plantão. Ronald Junqueiro).

sábado, 7 de junho de 2008

Sacadas, fome zero

A fome não dá pra interromper. Ronald Junqueiro
Restaurante popular, prato feito, boca livre. O céu é o limite.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Meu reino por um quintal

Paraiso das picotas. Quintal do seu Vitor, hora da sesta. Benfica
Ronald Junqueiro
Ah, os quintais! Aos poucos são devorados pelas metrópoles. Com eles desaparecem os pomares, o cantinho da horta caseira, das ervas medicinais onde crescia aquela plantinha para acalmar o coração, o capim marinho para fazer chá do convalescente. Desaparecem os conhecimentos das avós, das tias rezadeiras que tiravam mau-olhado benzendo a criança com um pequeno galho de arruda e balbuciando orações que de tão balbuciadas soavam a um resmungo incompreensível. Sem exagero, quase um latim ensinado na pior da pior das escolas públicas.

Os quintais davam a quem os possuía todo tipo de felicidade. O sentido de posse tem duas mãos ou enchem as mãos, sabe-se lá o que está valendo, pois os quintais nos possuíam também quando plantávamos uma muda que nos devolvia botões, folhagem, ramos e as flores donas de si por tanta beleza. Era um toma lá da cá sem restrição ou preconceito.

Ali estava uma criação que certamente alegraria a arca de Noé. Um punhado de milho e lá se juntavam ao banquete os patos, galinhas ainda solteiras ou poedeira com uma ninhada de pintinhos amarelinhos que mais pareciam brinquedos vivos fugidos da vitrine de uma loja. O bater de asas, a imponência preguiçosa dos patos, os galos grandes, os garnisés, os carijós. Os perus e peruas, os autênticos, diga-se de passagem. Sem retoques, botoxes ou mau gosto. E as marrequinhas e codornas.

A elegância discreta das meninas ficava por conta das picotas, sempre em grupos, com um cinza cheio de pintinhas brancas, um blazer fashion de penas. Um desfile sem retoques, digno das galinhas d´angola.

E havia as árvores, os passarinhos, as sombras, o ventinho, todos os sons de uma orquestra que aos poucos vai saindo de cena. Os maestros logo serão uma espécie em extinção. Nós, a platéia, não saberemos mais o que aplaudir, não teremos mais o que aplaudir, não teremos mais quintais. A platéia, um dia, também estará na lista das espécies ameaçadas de extinção. Que será despejada sumariamente dessas terras como já foram o curupira, os sacis, a matita perera, a mãe do mato, o caapora e as iaras dos igarapés. Sem tetos, sem florestas e sem rios.

Vão-se os anéis e ficam os dedos e as mãos. Ou não. Essa pode ser a medida da ambição e da insensibilidade, da ganância e da riqueza, moedas efêmeras que não valerão um dólar falso para comprar o que não existe mais: vida.

Poderemos construir quintais? Ou seremos apenas fotografias analógicas e digitais, uma fita de cinema, um meio-ambiente virtual lançado num satélite de náufragos perdidos no espaço?

(Dia Mundial do Meio Ambiente. Pará, campeão das queimadas. Florestas viram carvão. O paraíso que tantos falam é ficção. Nada mais do que ficção contada em exuberantes roteiros turísticos.
Que nos valha Santa Maria de Belém do Grão Pará. Ronald Junqueiro)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Pé no varal



Pé no varal, em três tempos macunaímicos
Ronald Junqueiro

Deixo-me secar na companhia de roupas e sonhos depois de lavar suores e pesadelos.

domingo, 1 de junho de 2008

Tempo fechado. Coração quieto

O Tempo. Fim de tarde coberto de nuvens. 15 horas de chuva na cidade.
Ronald Junqueiro

Minha lua está na casa 8. O sol continua no nono setor. Eu fiquei por aqui. Meio pendurado no varal. Esperei junho chegar. 2008. Hoje choveu muito na cidade. Céu de chumbo. Lindíssimo. Volto para a estrada. Ou imagino asas. Sobrevôo-me.
Adeus Yves Saint Laurent.