sábado, 31 de dezembro de 2011

O sol se foi. Vi quando ele deu adeus a dezembro, no último pôr de sol de 2011. Partiu sem alarde para voltar no primeiro domingo de 2012, sob o signo do Dragão. Feliz Ano Novo!



 
Da minha janela, na Pedreira, 31/12/2011. Belém do Grão Pará


Fui olhar o sol se indo no último dia de dezembro. Acho que ele se foi com ares de cansaço, depois da chuva que caiu em Belém pelo meio da tarde, nublando a saudade que sem a menor cerimônia atribui a si o papel de boa companhia nesses ritos de passagem. São momentos que não se repetem, mesmo que fiquem congelados numa fotografia. Mas hoje fiz sua despedida de 2011 e escolhi três momentos. Não esperei que se fechassem as cortinas para o palco se abrisse para a noite.  Dei adeus a ele, ainda meio-sol, quase minguante.  Acho que ele queria se pôr discretamente, sem fazer alarde, tanto que logo foi engolido pelo horizonte nublado, sem o esperado mergulho por traz da ilhas em frente da cidade onde pega a direção do Japão, quando vai até a última nesguinha dourada e num movimento tão imperceptível  sai de sena, num piscar de olhos...
...Amanhã ele desponta num novo tempo e vou esperá-lo da minha janela. Imagino, agora, que o sol deve estar ardendo em  suas próprias chamas até soprar as cinzas de 2011 que se espalharão no tempo. Ele voltará, com certeza, com os encantos e a força de um novo signo que ele iluminará em 2012, entre a fantasia e a realidade...
...Que venha o Dragão!!!!



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Saúde é o "xis" de um problema tão velho quanto o descobrimento do Brasil. No Pará, o cidadão enfrenta intermináveis maratonas para ter direito à saúde. Tenho um cartão do SUS e uma certa invejinha de presidentes que têm assistência garantida fora do sistema.

Na Recepção, pacientes têm que ter paciência de Jó enquanto esperam
Chego meia hora antes do exame. Conferi duas vezes: o eletrocardiograma será feito às 13h00. Cheguei antes como fora recomendado no agendamento e já me deparei com a recepção vazia. Dirijo-se a uma funcionária próxima, que faz chamadas para os exames. Pergunto pela pessoa que deveria estar na recepção. Ela é rápida e me responde em dois segundo:

- Espere! A colega volta num instante.

Sento-me na fileira da frente na direção de um ventilador. Do meu lado, um casal de idosos. Pergunto à senhora se ela viu a moça da recepção sair e ela me diz que não. O marido dela tem eletrocardiograma marcado para uma da tarde. Na mesma hora olho o meu entorno e conto mais de trinta pessoas no salão de espera. Cai a ficha: todos estão agendados para o mesmo horário.  Vou até a mulher do microfone e pergunto se a colega dela vai demorar muito e mostro o relógio, faltam cinco minutos para fazer o exame. Ela me pede a requisição e diz que assim que a funcionária chegar, ela mesma repassará a requisição. 

Chega um funcionário e ocupa a recepção. A mulher do microfone vai até ele e pega uma pilha de papéis e volta para a mesa onde ficara minha requisição. Logo é cercada pelas pessoas que estavam na sala como se fosse um assalto. Ela começa a chamar os nomes. O meu é o último. E me junto à multidão que segue uma moça de jaleco branco por um corredor onde há uma fileira de portas indicando que tipo de exame é feito. No final, todos nós dobramos a direita e quem chega primeiro ocupa as cadeiras da fila de espera. Vou até a moça de jaleco e digo que não sabia que precisava ter uma cópia da carteira de saúde, mas que podia fazer o exame e ir fazer uma fotocópia numa Lan House em frente ao hospital. Ela concorda e diz que não vou precisar remarcar o exame por causa desse detalhe. Um alívio. Ela entra numa sala e bate a porta. Minutos depois reaparece novamente para conferir quantos iam fazer eletro. Cai a ficha: não há ordem de chegada. E então a moça do jaleco começa a organizar os pacientes. Pergunta quem é quem é e a idade. Feita a chamada, ela pede atenção e fala sem parar, fica explícito que não irá dirimir dúvidas.

- Bom, aqui ninguém será atendido por ordem de chegada. A prioridade é a idade. Os mais velhos serão atendidos primeiro.

A técnica olha a pilha de requisições e quebra o silêncio. Ninguém tinha dúvidas.  Arregala os olhos e volta à carga.

- Queria dizer que essa prioridade não é absoluta. Se por acaso chegar alguém encaminhado pela urgência e aqui o hospital tem sempre casos de urgência, a prioridade muda. Mais uma coisa: como sempre tem muita gente para fazer eletrocardiograma, o aparelho às vezes fica lento e para de funcionar. Eu espero que hoje tudo corra bem. 

Um homem interrompe a moça do jaleco. Quer saber onde encontra água.

- Minha senhora, estou morrendo de sede e já fiz um tour pelo hospital à procura de água. Me disseram que aqui nessa ala eu encontraria... trouxe até meu copo de plástico.

- Pois lhe informaram errado! – diz a nervosa moça do jaleco e impaciente dá da sentença. – O senhor procure noutra alara do hospital onde tem água e se achar venha me dizer, pois também queria um copo d’água.

O homem sedento nem reclama. Dá meia volta e vai embora. Ela chama os quatro primeiros nomes. Os pacientes entram na sala. Os exames não demoram muito, comenta uma senhora dizendo que o fez outras vezes.  Quando vou procurar uma cadeira para esperar sentado, a moça do jaleco abre a porta pede atenção a todos.  E na lata, informa.

- Temos um problema. A máquina que faz o eletro parou. O computador, que estava lento, não consegue mais responder. Chamamos o técnico. Vocês tenham um pouco de paciência.

Olho o relógio instintivamente. E já se passaram quarenta minutos. E o tempo passa. Já são duas e quinze e o técnico não aparece e as pessoas ficam inquietas, reclamam, começam a contar seus dramas. A sala de espera vira terapia grupal alternativa. O homem que não para sentado, diz que sente uma “dor fina” no peito; a senhora experiente em eletro reclama que chegou muito cedo, que não almoçou e que mora longe; outra senhora diz que vai esperar de qualquer jeito, que não vai remarcar outra vez; a moça reclama que será a última a ser atendida, pois é a mais nova na sala de espera, mas que chegou bem antes que o homem que disse para a moça do jaleco que tinha 6.6 anos.

Uma hora depois o aparelho do eletro voltou a funcionar. A moça do jaleco diz que o deixou um tempinho desligado e uns quarenta minutos depois ele voltou a carregar.  Já caminhamos para as quatro da tarde. No corredor é um passa-passa de macas e cadeiras de rodas. 

Olho em volta e ainda tem umas oito pessoas à espera. 

De repente, uma enxurrada de gente invade as corredoras guiadas por um funcionário magro que pede ordem e garante que todos serão atendidos.  A mulher do senhor que diz estar sentindo uma ”dor fina “no peito pergunta ao funcionário se essas pessoas que chegaram são prioridade. Ele diz que não, que são pacientes da turma das quatro, mas alguns vão fazer teste de esforço físico na esteira.

Uma jovem tenta acalmar o filho, que grita, esperneia e parece ser uma criança hiperativa. A moça do lado diz pra ela não deixar o filho sentar no piso e ficar descalço, pois esse ambiente é muito contaminado.  Mas a mulher não liga. O corredor está mais vazio. O garoto corre de um lado para o outro. A mãe dá um puxão do menino, joga-o numa cadeira ao seu lado. E reclama.

- Marcelo, fica quieto! Esse menino é assim, não para. Ele me deixa esgotada.

Uma senhora magrinha tenta acalmar a jovem. Diz que crianças são assim. E misturando solidariedade com curiosidade, pergunta se a jovem mãe mora longe do hospital e se o menino está com fome.

- Moro no sul... Não, comemos aí  na frente.

- Você mora no sul?

- É, no sul do Pará, em Curionópolis. Levei doze horas de ônibus para chegar aqui em Belém e tenho que pegar ônibus de volta até as sete da noite.

Começo a me sentir no paraíso. Aos poucos o corredor vai se esvaziando.  No final, só eu e uma mulher esperamos nossa vez. Uma das mulheres que estavam na turma de uma hora da tarde sai e olha para nós.

- Foi mais rápido do que eu pensava. Mas eu estranhei a enfermeira colocar só sou ‘pegadores’ em mim. Outra vez que vim, colocaram até na minha perna. – Ela pede para a mulher que está do meu lado confirmar para ela a data em que o exame estará pronto. - Veja pra mim por favor. Acho que a enfermeira marcou dia 27 de dezembro, mas tô achando muito tempo para um exame tão simples.

- Aqui estou vendo que é janeiro – diz a mulher, lendo o pequeno papel com dificuldade e pede para eu olhar também.  Todas duas erraram.

- Minha senhora, a data está errada, – digo, rindo dessas confusões de fila – aqui no protocolo diz para a senhora apanhar o resultado em dezembro do próximo ano, daqui a um ano...

A senhora volta à sala e a enfermeira corrige a data. A mulher do meu lado entra na sala. Eu fico só. Será que se esqueceram de mim. Bato na porta e pergunto se vou ser atendido. A mulher diz que sim, que já era para eu ter entrado. Nem discuto. Vou para a sala do exame. A mulher me mandaeu tirar a camisa. Ela me lambuza de gel e reclama de dor nas costas.

- Veja só a cadeira que uso para fazer o exame... Meu marido vai ter muito trabalho hoje à noite para massagear minha costa, minha coluna está imprestável... amanhã eu não venho trabalhar.

Olho a cadeira, e imagino que não deva ser ergométrica. Parece detonada de tanta bunda que por ela passaram. O exame é rápido. O resultado só sai no dia 27 de dezembro, diz a moça do jaleco branco, que agora se mostra mais simpática. Acabou a maratona da tarde. Ela pega uma pilha de requisições dos exames feitos por ela. Brinco.

- Mas o resultado é para dezembro deste ano ainda?

- Sim, sim... daqui a doze dias volte para apanhar o resultado.

São quase cinco da tarde. Atravesso a rua para tirar uma cópia da minha carteira de saúde para que seja anexada à requisição do eletrocardiograma. Todas as histórias contadas pelo pessoal do corredor de espera se esfumaça. O drama vivido pela moça que veio de Curionópolis e que tem uma irmã com Síndrome de Down que ficou cega; a gravidez de risco a mulher de 29 anos que ficou tão magra a ponto de ter que tomar “injeções de sangue”. São histórias voláteis. E eu nem estava ali como jornalista. Queria viver ao meu modo aquela espera.  Agora falta apenas o exame de sangue. E então, se tudo der certo, marcarei a volta ao cardiologista. Contando nos dedos, lá para janeiro de 2012 consigo encaixar a consulta. Sou otimista, sem saber por quê. Na verdade, não torço contra. Meu desejo é que todos nós estívessemos no paraíso da saúde, recebendo tratamento VIP no Sistema Único de Saúde. Afinal, pagamos tantos impostos e temos tão pouco.

Ano Novo, Vida Nova e um coração que finge estar bem.  Agora tenho a carteira do SUS, digo pra mim cheio de moral e otimismo para alimentar a moral, tipo cobra mordendo o rabo, e sem esconder uma ponta de inveja do ex-presidente da República e ao mesmo tempo solidário a ele, pois saúde um dos males do Brasil é desde a Semana de 22. Parece que vencemos apenas as saúvas. Tomara que ele vença o câncer.

Que venha 2012!!!