domingo, 15 de junho de 2008

O santo sem altar

A estante virou oratório das minhas crenças. Ronald Junqueiro

O Francisco veio para o apartamento há uns dez anos. A imagem nem não tem valor no mercado das artes, não é peça cobiçada por antiquários ou colecionadores de raridades. Estava numa lojinha de artigos religiosos misturada a imagens de budas, anjinhos, mandalas e até baralho cigano. Venda de miudezas religiosas e místicas, na verdade. A intenção era embrulhar o santo para presentear a uma pessoa que ouvira dizer que todo mundo deveria ter um santo em casa. Um santo da devoção. Se não fosse este o caso, que ela escolhesse o que lhe fosse mais simpático.

Quem tem seus santos de devoção sabe o que significa pedir e orar para eles. E as imagens ganham seus cantinhos especiais, com direito a velas sete dias e sete noites e outras variações. Há quem siga à risca “tratar o santo à vela de libra” como diziam os mais velhos.

O Francisco foi ficando em casa, passou Natal e Ano Novo. A embalagem de presente dentro do armário e ele sem destino. A pessoa a quem ele se destinava havia adotado uma santa Rita, a dos impossíveis, capaz de revolucionar vidas e operar milagres de quem deles duvidasse. Eleger o santo de devoção não é tarefa fácil, por isso muita gente segue a tradição familiar. A fé no santo, com todo respeito, se parece como amor ao time de futebol, a torcida passa de pai para filhos e filhas. Ou de mãe, que também tem suas preferências, não necessariamente a seleção brasileira.

Desfiz a embalagem. E agora José? O que é isso!!! O santo tem nome. E agora Francisco? Não havia uma cantoneira para acomodá-lo. Oratório que se preze é artigo de luxo em tempos de especulação imobiliária e de déficit habitacional. Mas o Francisco ficou na dele, não estava aí para perturbar quem poderia tê-lo no coração, único território onde sempre cabe mais um.

Creio que ficou feliz quando o deixei na estante, ao lado de Franz Kafka, Gore Vidal, Fernando Pessoa, Thomas Mann, Machado de Assis, romances policiais e até alguns livros classificados como literatura erótica. Não era intenção misturar alhos com bugalhos. Mas por outro lado, era uma medida preventiva, uma vez que não haveria a obrigação de acender velas e correr o risco de provocar um grande incêndio num prédio de 14 andares, com três apartamentos por andar e um monte de morador inadimplente. O Francisco sabe com é passar por altos e baixos, até mesmo por ter renunciado à riqueza.

O compromisso assumido, a partir daquele momento, era tirar sempre a poeira da estante, fazer um revezamento de escritores e dos livros da vez. O Francisco ficou lá. E foi ficando. E passaram-se os anos. Hoje dá para bater um papinho com ele sem culpa e sem precisar de analista. Reclamar de alguns transtornos sem fazer promessas mirabolantes.

Francisco é um santo! Não lhe sou devoto, desses de segui-lo em romaria, mas não há dúvidas de que São Francisco é um grande parceiro.

(Mês de Antônio, João, Pedro e Marçal. Santos das fogueiras juninas. Maior fogueira que a Amazônia? Impossível!!! Nem é preciso anunciar os números da destruição dados por institutos oficiais e organizações não governamentais, que faiscam nas manchetes com as estatísticas de plantão. Ronald Junqueiro).

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu sei, eu sei que disseste que não ias postar todo dia, mas e eu lá me convenci disso? Então venho todo santo dia dar uma bicada aqui pra ver se tem novidade. É claro que ontem, justo quando postaste, não abri o computador... Mas hoje vim rapidinho e dei de cara com Francisco, um dos meus preferidos (que tenho vários, não sou mulher de um santo só, apelo conforme a necessidade...). Tenho certeza de que ele está em muito boa companhia, apesar de os teus Druon estarem na minha estante há muito... Beijo grande!

Suely Nascimento disse...

Adoro essa fotografia. Um oratório de livros e de idéias. Na adolescência, aproximei-se de Nossa Senhora Auxiliadora. Era a santa da escola onde estudava. No dia 24 de maio, eu e minhas colegas participávamos de uma sonora cerimônia religiosa. Gostava dos bastidores desse dia. Anos mais tarde, comprei uma imagem dela. Mas está guardada, entre lembranças de viagens. Bise.

Unknown disse...

Rorunaro san (é assim que se grafa?),
Um dia tb já acalantei a idéia de um santo de devoção. E lá, nos primórdios da minha inocência, Francisco me encantou. Não sei se pela beleza da clássica oração, ou se pelo fato de ser sinônimo de humildade, coisa rara em todos os tempos. Depois, a maturidade me deixou menos pueril e o santo se foi junto com outras tantas fantasias.
O altar não poderia ser o melhor para o teu Chico.
Bjo
p.s: Acho que vou comprar um.

Anônimo disse...

Eu não tenho nem um santo de devoção, apesar de existirem alguns que eu possuo simpatia.
São Francisco de Assis foi o primeiro a conquistar minha simpatia, dada sua história de vida.
Estudei em colégio de freiras onde todos os dias cantavamos a oração do seu amigo Francisco, que por sinal é belíssima cantada pela Ana Carolina.
Adorei seu post!
Abraço