quinta-feira, 5 de junho de 2008

Meu reino por um quintal

Paraiso das picotas. Quintal do seu Vitor, hora da sesta. Benfica
Ronald Junqueiro
Ah, os quintais! Aos poucos são devorados pelas metrópoles. Com eles desaparecem os pomares, o cantinho da horta caseira, das ervas medicinais onde crescia aquela plantinha para acalmar o coração, o capim marinho para fazer chá do convalescente. Desaparecem os conhecimentos das avós, das tias rezadeiras que tiravam mau-olhado benzendo a criança com um pequeno galho de arruda e balbuciando orações que de tão balbuciadas soavam a um resmungo incompreensível. Sem exagero, quase um latim ensinado na pior da pior das escolas públicas.

Os quintais davam a quem os possuía todo tipo de felicidade. O sentido de posse tem duas mãos ou enchem as mãos, sabe-se lá o que está valendo, pois os quintais nos possuíam também quando plantávamos uma muda que nos devolvia botões, folhagem, ramos e as flores donas de si por tanta beleza. Era um toma lá da cá sem restrição ou preconceito.

Ali estava uma criação que certamente alegraria a arca de Noé. Um punhado de milho e lá se juntavam ao banquete os patos, galinhas ainda solteiras ou poedeira com uma ninhada de pintinhos amarelinhos que mais pareciam brinquedos vivos fugidos da vitrine de uma loja. O bater de asas, a imponência preguiçosa dos patos, os galos grandes, os garnisés, os carijós. Os perus e peruas, os autênticos, diga-se de passagem. Sem retoques, botoxes ou mau gosto. E as marrequinhas e codornas.

A elegância discreta das meninas ficava por conta das picotas, sempre em grupos, com um cinza cheio de pintinhas brancas, um blazer fashion de penas. Um desfile sem retoques, digno das galinhas d´angola.

E havia as árvores, os passarinhos, as sombras, o ventinho, todos os sons de uma orquestra que aos poucos vai saindo de cena. Os maestros logo serão uma espécie em extinção. Nós, a platéia, não saberemos mais o que aplaudir, não teremos mais o que aplaudir, não teremos mais quintais. A platéia, um dia, também estará na lista das espécies ameaçadas de extinção. Que será despejada sumariamente dessas terras como já foram o curupira, os sacis, a matita perera, a mãe do mato, o caapora e as iaras dos igarapés. Sem tetos, sem florestas e sem rios.

Vão-se os anéis e ficam os dedos e as mãos. Ou não. Essa pode ser a medida da ambição e da insensibilidade, da ganância e da riqueza, moedas efêmeras que não valerão um dólar falso para comprar o que não existe mais: vida.

Poderemos construir quintais? Ou seremos apenas fotografias analógicas e digitais, uma fita de cinema, um meio-ambiente virtual lançado num satélite de náufragos perdidos no espaço?

(Dia Mundial do Meio Ambiente. Pará, campeão das queimadas. Florestas viram carvão. O paraíso que tantos falam é ficção. Nada mais do que ficção contada em exuberantes roteiros turísticos.
Que nos valha Santa Maria de Belém do Grão Pará. Ronald Junqueiro)

6 comentários:

Anônimo disse...

Já vim correndo ler, que delícia... Eu, urbanóide, memória de quintal tenho só da minha avó, lá em Óbidos, cuidando das rosas; dos espinhos do limoeiro; e das formigas debaixo da mangueira. Adorei!

Cassius Martins disse...

LUMINOSO!!!!

Anônimo disse...

Olha, Ronald, eu moro em Sampa e minha casa tem um grande quintal com 14 árvores frutíferas, plantas medicinais e temperos... hehe! Tá vendo como sou uma curupira, uma matinta urbana?
Adorei o texto. Um dos melhores que li ultimamente, querido.
Fiquei me lembrando da notícia que ouvi hoje da Governadora do Pará. Ela disse que vai plantar 1 bilhão de árvores. Dá vontade de perguntar: por semana, moça?
Beijo.

Anônimo disse...

Ei, Rorunardo, só eu não sabia que tu tinhas blog, maninho?
Um beijo, adorei as picotinhas
Régia

Anônimo disse...

Oi Muso,
Eu também não sabia que tinhas blog.
Que bom!
Sabes que adoro teu texto.
Beijo.

Anônimo disse...

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