quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Consumidos pelo fogo de cada dia

Miragem. Ou símbolo da resistência à devastação. Ronald Junqueiro

Pará bate recorde de focos de queimadas

Essa é a manchete do dia. Os jornais e telejornais descarregam chamadas como bombas caindo de uma esquadrilha descontrolada. Os protestos dos cidadãos indignados com uma realidade que nos parece irreversível não ecoam. Morrem na garganta.

O Carlos Minc vem e morde, o Mangabeira Unger, assopra e massageia. Que comédia pastelão!

O fogo domina o cenário por causa do calor e da baixa umidade. O estado sofre queimaduras em todos os graus provocadas por 2,6 mil focos de incêndio.

Da forma como é dita a informação, parece que aqui há um imenso fenômeno de combustão espontânea, onde a fumaça esconde o dedo do bicho-homem.


[Amazônia é geléia geral quando vira notícia. Parece guerra de contra-informação. Como a música “Querelas do Brasil”, do Maurício Tapajós e Aldir Blanc, imortalizada por Elis Regina. O Brasil não conhece o Brasil. O Brasil tá matando o Brasil. Do Brasil SOS ao Brasil. E assim se passa com a Amazônia, com Mata Atlântica ou o tufo do que restou de uma floresta mágica. E assim acontece com o cerrado e assim acontece até em nossos quintais. E quem se importa? Nós, brasileiros, estamos atentos ao que se passa sob nossos narizes?

E afinal, quanto a Amazônia já perdeu de floresta?

Reportagens especiais ou notícias que ficam no pé dos índices do desmatamento adoram comparações que mais confundem e não esclarecem nada. Já li que a destruição equivale a porradas de Vaticano, ao Rio de Janeiro, a milhares de campos de futebol. Isso não dá a dimensão exata da catástrofe provocada pelo desgoverno. Penso que acaba sendo um desserviço.

A dona Maria ou o seu Raimundo lá dos cafundós que nem sabem para que lado fica o Vaticano, nunca foram ao Rio de Janeiro ou pisaram no Maracanã ou no Mangueirão nem terão noção do que fazer com essa informação, que não tem função para eles. É informação para cientistas, governo, formadores de opinião, elites e suas tropas e para quem interessar possa.

A imprensa e as mídias de todos os matizes apostam no escândalo, em manchetes que vendam jornais e alavanquem a audiência. Mas isso dura um dia. No dia seguinte, nem sempre tem repercussão. Nosso diário é pobre em acompanhamento sistemático do que se passa na região e pouco crítico.

29 de julho de 2008

Uma onda de otimismo: o desmatamento da floresta na região da Amazônia Legal recuou em junho na comparação com maio, de acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). O desmatamento da floresta amazônica foi 20%. Os dados da medição, feita pelo sistema Deter, mostrou que a área de desmate passou de 1.096 quilômetros quadrados em maio para 870 quilômetros quadrados no último mês.

Para refrescar a memória

A região observada livre da cobertura de nuvens foi maior no mês passado: 72% da Amazônia Legal. Em maio, a área observada livre de nuvens foi de 54%. Ainda assim, o sistema do Inpe conseguiu identificar uma redução no desmatamento. O instituto avaliou 304 alertas de um total de 568 em junho. Houve confirmação de desmatamento em 92% dos casos de alerta. Em 67% dos casos de desmatamento, o corte foi raso; em 25%, o caso foi de floresta degradada.

Em maio, o Inpe registrara número inferior de alertas (241 no total). Naquele mês, 88,3% dos alertas foram confirmados como desmatamento e 11,7% foram descartados. O porcentual de casos de corte raso da mata foi menor: 60% dos alertas identificados pelo Inpe. Os casos de degradação de alta intensidade também foram menos numerosos em maio: 23%. Em junho, 4% dos casos foram de desmatamento de intensidade moderada e leve.

19 de agosto de 2008

Em agosto, novo espetáculo de fogos de artifício para a informação dada, também pelo INPE, ao divulgar os dados do desmatamento na Amazônia Legal para o período de 2006-2007, realizado pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (PRODES).

Informações embaladas pelo emaranhado de um vocabulário cinza: O resultado final, obtido pela análise de 213 imagens Landsat complementadas por imagens CCD/CBERS, SPOT e DMC em áreas nubladas, computou o total de 11.532 km2 de desflorestamento na Amazônia Legal. Este resultado atualiza a estimativa de 11.224 km2 divulgada em novembro de 2007, produzida com base na análise das 74 imagens que apresentaram maiores taxas de desmatamento no período anterior e que permitiram a estimativa em novembro com 2,7% de diferença para menos em relação ao valor definitivo.A taxa de desmatamento de 2006-2007 significa uma redução de 18% em relação à taxa medida no período 2005-2006.

E tudo isso com direito a pódium para os estados e suas taxas de desmatamento da Amazônia Legal em km2/ano. A menor taxa de desmatamento ficou com o Amapá (39), seguido do Tocantins (63), Acre (184), Roraima (309), Amazonas (610), Maranhão (613). E na seqüência ouro, prata e bronze, sob os últimos ecos das olimpíadas da China:

Pará 5.425
Mato Grosso 2.678
Rondônia 1.611

Continuamos afogados em números. Como chegar à superfície para respirar e saber qual é a real?]

3 comentários:

Ana Luiza Couto disse...

E eu que ainda me lembro de quando a 16 de Novembro era um corredor de mangueiras...

Ana Luiza Couto disse...

Pra veres como anda minha memória, que me lembro de mangueiras onde havia palmeiras imperiais... Como diz minha mãe, a que ponto chega o ser humano...

Juan Trasmonte disse...

Meu caro Ronald, assim é que estamos. A midia instala assuntos que os leitores distraídos assumem como trágicos até esses assuntos sumirem para serem substituídos por outros.
Lendo teu texto lembrei daquele filme, acho que era do John Carpenter, em que as pessoas entravam em combustão, lembras?
Abração