sábado, 20 de setembro de 2008

A cópula e o coito no país da hipocrisia

Como diz Lula da Silva hipocrisia é um país onde se falam todas as línguas e se permitem todos os vícios desde que esses sejam blindados. A fala do presidente sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo, opinião de cidadão que acaba sendo a do presidente no poder, vai mexer com as urnas em outubro, com certeza. Mas Lula é o primeiro presidente da República a expor a hipocrisia dos candidatos homofóbicos que não rejeitam votos, pois voto não tem sexo nem orientação sexual.

Quando pinta sexo no pedaço a questão é delicada. Mesmo quando a gente engrossa o coro e canta com Marina Lima que "sexo é bom", sabemos que o tema desafia abordagens complicadas, às vezes. E isso independe das relações estabelecidas. Casos, cachos, casais, casados com as bênçãos de Deus, dos padres, dos juízes, dos homens e das famílias e afins nem sempre encaram com naturalidade o que lhes cabe no papel de amantes. O que foge à regra é indecente, pornográfico.

A leitura da revista Playboy não precisa ser confinada entre quatro paredes, está nas bancas, tem até sessões de autógrafos com a garota da capa, porém recitar uma poesia erótica, mais explícita que qualquer foto de mulheres nuas, de quadros ou cenas de cinema pode fazer corar o mais safadinho dos coroinha escondido (ou protegido) atrás da hóstia.

Em 1994, ouvi pela primeira vez, lido por uma amiga, Maria Elisa Guimarães, professora de Filosofia, subroseana apaixonada por tantos e tantos poetas, entre eles Manoel Bandeira, uma poesia a ele atribuída e por muitos considerada bocageanamente pornográfica. O que escapa das quatro paredes corre risco de ser jogado na vala comum da pornografia – ou da hipocrisia. Como é que Manoel Bandeira, o poeta que queria ir para Pasárgada poderia ser mais ousado que desejar ser amigo do rei e ter mulher na cama que escolhesse? O poeta só poderia dizer isso na poesia, ferramenta do seu ofício. E o fez no soneto “A cópula”.

Um pouco dessa história pode ser conhecida na Usina das Letras

A Cópula

Depois de lhe beijar meticulosamente
O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
O moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
Colhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti,
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alterou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!"
Grita para o rapaz que aceso como um diabo,
Arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(Que depois irá ter sua ração de porra),
Lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.


De Ferreira Gullar, outro poema erótico para sobrevoar as terras da hipocrisia.

Coito

Todos os movimentos
do amor
são noturnos
mesmo quando praticados
à luz do dia
Vem de ti o sinal
no cheiro ou no tato
que faz acordar o bicho
em seu fosso:
na treva, lento,
se desenrola
e desliza
em direção a teu sorriso
Hipnotiza-te
com seu guizo
envolve-te
em seus anéis
corredios
beija-te
a boca em flor e por baixo
com seu esporão
te fende te fode
e se fundem
no gozo
depois
desenfia-se de ti
a teu lado
na cama
recupero a minha forma usual

3 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo texto!
Abração

Anônimo disse...

No "país do carnaval", sexo só pode na fantasia, né?, nunca à luz do dia...

Anônimo disse...

este é um dos melhores blogues que existem: não só por ser bem escrito mas também pela grande variedade de temas.

Muito bom este texto, inclusive porque liga política, sexo e literatura.
Parabéns e abração