domingo, 30 de novembro de 2008

Deus e o Diabo na terra da devastação

Imagine, mas só imagine como se fosse um cantador de cordel, contando para uma platéia que depois que a floresta se for, o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão

Mais se faça ou mais se diga, o Pará sempre entra na lista das coisas negativas ainda que positivas sejam agendas, ações e intenções na discussão em vários segmentos, das ONGs aos governos, dos empresários às instituições de ensino superior, das sociedades de direitos humanos às pastorais. É desanimador ouvir notícias que correm os quatro cantos do mundo solapando o que o Estado tem de bom e personificando o Pará como um bad boy da história.
Em Paragominas, a revolta dos carvoeiros contra a apreensão de madeira ilegal de áreas indígenas que resultou em depredação da sede do Ibama e o incêndio criminoso dos caminhões que transportavam a carga e a madeira, são um atentado contra as autoridades numa terra de direitos onde o direito precisa ser aplicado com rigor contra os crimes ambientais.
Em cena entra o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, com discurso forte e ameaçador contra madeireiras que atuam ilegalmente e que resistem a multas e autuações ao longo do tempo como se a punição fosse a coisa mais banal do mundo. Mais adiante, passado o calor do discurso e das medidas punitivas, sem dúvida nenhuma, os ilegais continuarão a agir na calada da noite e à luz do dia, devastando a floresta, vendendo madeira sem certificação que, infelizmente, é negociada em outros Estados que não assumem qualquer responsabilidade na transação porque os negócios e os lucros são mais importantes numa total falta de razão e sensibilidade. E como esperar qualquer um dos valores dos que agem ilegalmente?
Foi-se o ministro e a vida continua. Chegou a sexta-feira, 28 de novembro, e já amanhecemos com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, colocando o Pará no pódio como campeão dos vilões da floresta, a partir das estimativas do desmatamento por corte, ou seja, remoção total da cobertura florestal, na Amazônia Legal, de agosto de 2007 a agosto de 2008. Pará e Mato Grosso os grandes atletas da destruição. A taxa de desmatamento neste período teve um aumento significativo em relação ao período anterior, atingindo 3,8% ou em números absolutos, 11.968 km2. Quase a metade desse número da devastação fica com o Pará, que desmatou neste período 5.180 km2 da floresta amazônica, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal, divulgados na sexta.
Não faz mais "marolinha" esse tipo de notícia? Pior para quem assim pensa, como os mais interessados em explorar a floresta no que ela tem de sustentável e de pouca sustentabilidade de fato para quem dela vive de maneira honesta. O fato é que desovar números dos crimes ambientais não provoca reações permanentes ou se as provoca elas são pontuais, sob holofotes e flashes. Quem está se importando se os números do desmatamento são comparáveis a não sei quantos mil campos de futebol ou se já equivalem ao Estado de São Paulo ou dezenas de Vaticano? Devem pensar, ah! Isso é terror pregado pelo pessoal que faz cobertura jornalística ambiental e organizações que querem aparecer como os mocinhos de novela combatendo as vilanias da favorita.
Não é bem assim e os efeitos dessa guerra contra o verde se farão sentir, sim, pelo desmatamento e ocupação desordenada, pela savanização da região que parece a casa da mãe Joana, em linguagem figurada, mesmo.
Essa falta de prevenção, apesar da previsibilidade, torna cada dia mais vulnerável a região, a exemplo de Santa Catarina, que tem seus méritos na decomposição ambiental que vive nesses dias de catástrofes naturais e ao mesmo tempo não tão naturais quando contabilizamos os mortos, que entram na casa das centenas.
Hoje o Brasil vive uma era que vai além da ficção à La Glauber Rocha do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas que o endiabrado cineasta deixou em aberto para contarmos que Deus e o Diabo vivem também no meio das enchentes, catástrofes e desmatamentos. Ajuda de um lado, desgraça de outro.
Essa história do desmatamento da Amazônia nem precisa de um longa metragem para levar às telas do mundo o que estamos fazendo por nós ou contra nós. Basta um curta, de dez minutinhos no máximo, com dois cantadores de cordel contratados no Nordeste, talvez cegos talvez não, para iniciar a cantoria:
- Vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira: O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão.
"Que assim mal dividido esse mundo anda errado. Que a terra é do homem, não é de Deus nem do Diabo!" (Glauber Rocha e Sérgio Ricardo)

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